Gaby Amarantos diz que tem orgulho de ser brega e exuberante

A multiartista ajuda a levar a cultura da Região Norte para o mundo e tem na fé o seu maior combustível

Por: Stevens Standke  -  12/02/23  -  17:01
  Foto: Rodolfo Magalhães/ Divulgação

Cantora, compositora, atriz. Ou simplesmente multiartista. Assim Gaby Amarantos se define. E esse termo cai como uma luva para a paraense de 44 anos, que, com seu trabalho, procura projetar o movimento musical do tecnobrega e a cultura da Região Norte. O jeito “exuberante” de se vestir se tornou outra marca de Gaby – vale dizer que, na hora de compor seus looks, prefere usar criações de estilistas nacionais. “Pois acho que virei uma plataforma que pode ajudar a divulgar essas pessoas e mostrar quanta coisa boa há no Brasil”. Na entrevista, Gaby, que se prepara para a agenda de Carnaval – a qual inclui cantar no bloco Galo da Madrugada, em Recife (PE) –, fala, entre outros assuntos, do novo EP, TecnoShow, com duas músicas escritas por ela e versões de hits internacionais.


Clique, assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe centenas de benefícios!


Você ganhou notoriedade pela música, mas, de um tempo para cá, tem mostrado outras facetas suas, como a de atriz. Sempre foi assim múltipla?
Carrego essa característica de multiartista desde o começo, e de uma forma muito institucional. No início da carreira, escrevia as letras das músicas, desenhava os meus figurinos, cuidava das coreografias, negociava os shows e, no dia da apresentação, ainda vendia os CDs. Lembro que, várias vezes, me ligaram para contratar shows das bandas de que fiz parte e eu atendia fingindo que era a produtora do grupo, porque não contávamos com o auxílio desse tipo de profissional. A gente que faz música na Região Norte, na Amazônia, precisou se virar para chamar a atenção da indústria da música. E o tecnobrega é um movimento com papel superimportante nesse processo. Agora, atuar foi a minha primeira aspiração, tive esse desejo antes de ser cantora, só que a música acabou vindo de maneira bem forte. Acho que a precariedade, o não ter quem fizesse determinadas atividades me formou, informalmente, para conduzir o meu trabalho e, hoje, ser dona da minha carreira.


Como foi que a música e a atuação se apresentaram para você?
Eu tinha uma tia que foi uma grande fomentadora cultural do bairro. Ela era professora, diretora de escola estadual e organizou um grupo na comunidade que tinha teatro, dança e música. Eu era a única criança que queria estar em todas as frentes. Me tornei artista muito por causa dessa minha tia e da minha mãe, que preparava figurinos e ensinava a me maquiar, a manter a postura... Ela era quase uma mãe de miss. Já a minha tia trazia o lado literário. Recordo que ela dizia: “Artista também estuda. Você precisa ler”. Ganhei meu primeiro livro dessa tia. Ele se chamava Gabriela Serelepe. Além de levar meu nome, a obra mostrava uma garota que queria fazer de tudo. Me entendi como múltipla, como multiartista desde cedo. Inclusive, o meu início na música foi cantando em missas. Na igreja, sempre tinha algum dono de banda que, após me ver cantando, convidava para me apresentar em barzinhos, e eu recusava. Olha que curioso: como passei a chamar atenção, o pessoal do coral da igreja se reuniu e decidiu me colocar para fora. Eu fui expulsa! (risos)


O que fez depois disso?
Saí com uma amiga para contar o que havia acontecido e o cara que estava se apresentando no bar, por me conhecer da igreja, perguntou se queria cantar uma música. Aceitei e, quando vi, o pessoal estava dançando. No final, o cara que me chamou para cantar disse que não tinha como me pagar e perguntou se podia me dar no lugar de dinheiro um prato de sopa. Brinco que esse foi o meu primeiro cachê. A partir disso, comecei a cantar com esse músico remuneradamente.


Você participou de coral de igreja e já declarou que o nome do seu filho, Davi, tem inspiração bíblica. Pelo jeito, mantém uma forte relação com a fé.
A minha fé é tudo para mim. No fundo, não se trata de religiosidade e, sim, de espiritualidade. Sou filha de uma católica fervorosa, que ia à missa quase todo dia, era ministra da comunhão, e também me levava para o terreiro de candomblé e rezava o terço lá dentro. Minha mãe era bastante ecumênica. Se batia um testemunha de jeová na porta de casa, ela chamava para conversar e tomar café. A minha mãe me ensinou a não ter preconceito com religião, com gênero, com nada, e que a fé está além disso. Não me defino como alguém que segue uma religião, mas como alguém que possui muita fé e que chegou até aqui devido à fé, que é o meu maior combustível.


Como técnica do The Voice, que conselhos procura dar aos participantes?
Costumo dizer que sou uma técnica clichê. Portanto, falo para fazerem as coisas com amor, com o coração, não se deixarem envenenar pelo que vivem e valorizarem a música brasileira. Veja por mim: é difícil demais ser mulher, negra, do Norte, da periferia e fora do padrão. Eu tinha tudo para dar errado e continuo dando certo, superando as expectativas de quem disse: “Ela vai ser uma febre, cantora de uma música só”. Já levei tantos nãos na vida e, entra ano, sai ano, estou aqui, me renovando e inovando, mostrando que a gente ainda tem muito a aprender sobre o nosso País.


A sua identidade visual é bem marcante. Gosta de moda?
Sim. A minha mãe costurava e vendia roupas, bijuterias, perfumes e maquiagens de catálogos. Como sabia desde cedo que queria ser artista, eu tinha um caderninho em que desenhava figurinos. E a minha mãe sempre me incentivou muito, me apresentando tendências nas revistas de moda que comprava. Ela me pôs para aprender a fazer as minhas próprias roupas e me virar. Carmen Miranda, a Maria Alcina do Chacrinha, Elke Maravilha, todos esses ícones exuberantes, que tinham coragem de ser como são, foram as minhas grandes inspirações. Eu sou brega e tenho orgulho de ser brega, tecnobrega, e exuberante. Isso é bastante futurístico e fashion.


Seu marido, o cineasta inglês Gareth Jones, contribui com seus projetos?
A gente trabalha junto, sim. Ele é meu diretor artístico. O meu álbum novo inteiro, o TecnoShow, tem visual assinado pelo Gareth e por mim. Ele já trabalhava com audiovisual lá fora, aí se apaixonou pelo Brasil e veio morar aqui. É um parceiro incrível, e aprendo com ele. Acho que fiquei um pouquinho inglesa, mais organizada, e ele se tornou brasileiro em outros aspectos. A gente acorda e vai dormir conversando sobre música. O Gareth é bem ligado em rock e folk, e me fez ficar apaixonada por Bob Dylan. Tudo isso também é muito bom para nosso filhote, porque ele nos acompanha nas viagens e está com um inglês absurdo.


Logo A Tribuna
Newsletter