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Julinho Bittencourt

A música popular dos brancos é toda negra

A mesma história sempre volta à tona

Julinho Bittencourt

26 de fevereiro de 2025 às 06:46
(Reprodução)

(Reprodução)

A mesma história sempre volta à tona, sobretudo quando morre uma artista como a cantora Roberta Flack, a eterna intérprete do sucesso retumbante da década de 1970 Killing Me Softly With His Song. Indicada a 13 prêmios Grammy e vencedora de dois, ela é produto direto de uma era em que os negros entraram com tudo no mercado musical do planeta.

Na esteira do sucesso da disco music, Roberta Flack ia muito além daquele modismo, com formação erudita e uma linda voz. Impossível pensar nela e naqueles tempos e não lembrar do verso da canção Negros, de Adriana Calcanhoto: “A música dos brancos é negra”.

O ex-beatle Paul McCartney, por exemplo, revela na série documental McCartney 3,2,1, em cartaz no Disney+, que a sua maior inspiração para tocar contrabaixo foi o genial James Jamerson, músico americano que gravou inúmeras canções de sucesso na lendária gravadora Motown.

O selo, o primeiro dos EUA liderado por negros e especializado em R&B e soul music, foi o responsável por lançar artistas como Marvin Gaye, Diana Ross, Stevie Wonder, The Supremes, entre outros. Se alguém for perguntar aos outros três Beatles o que mais os influenciou, eles responderão coisas semelhantes: os grandes músicos negros americanos.

O mesmo vale, de maneira um tanto mais evidente, para os Rolling Stones. A história, um tanto surrada, dá conta de que Mick Jagger e Keith Richards se encontraram no início da década de 1960, em uma estação de trem em Londres. Um com sua guitarra elétrica Höfner e o outro com vários álbuns de artistas negros de blues nas mãos. Do episódio, veio a surgir a maior banda de rock do planeta.

Ao rebobinar um pouco a fita, o cantor americano Elvis Presley – e este é um fato inegável – virou o maior sucesso dos anos 1950 imitando descaradamente o estilo de cantores negros contemporâneos dele, como Fats Domino, Sister Rosetta Tharpe, Little Richard e Chuck Berry.

Os exemplos são inúmeros e se desdobram por décadas a fio. Desde as big bands de jazz até as canções do Delta do Mississipi. Certa vez, ainda bem garoto, perguntei a um amigo o que era blues, afinal. Ele prontamente me respondeu: “é o que o John Mayall e o Eric Clapton tocam”. Muitos anos depois, vim a perceber o óbvio. O que aqueles dois brancos ingleses faziam, e com maestria, era uma cópia esmaecida de craques negros como B.B.King, Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Buddy Guy, Little Walter, Freddie King, Albert King, Big Mama Thornton e Bo Diddley. Isto sem falar em Robert Johnson (foto), o mítico autor de Crossroads, que mereceu um álbum inteiro de Clapton, o lindo Me and Mr. Johnson, de 2004.

No caso de Clapton, também não deixa de ser curioso que o único single seu que chegou ao primeiro lugar nas paradas dos Estados Unidos é um cover de I Shot the Sheriff, do jamaicano Bob Marley. O mesmo vale para Janis Joplin, que eu cresci ouvindo dizer que era a maior cantora de blues do mundo.

Se for entrar na seara da música popular brasileira, não fica pedra sobe pedra, sobretudo com a bossa nova. O mundialmente famoso ‘samba de apartamento’, feito eminentemente por brancos abastados, foi definido pelo próprio Vinicius de Moares de maneira imodesta como “branco na poesia e negro demais no coração”.

Noves fora, a maioria (para não dizer todos) dos gêneros de música popular que são comercializados planeta afora surgiu basicamente em comunidades negras. Não é, portanto, nem um pouco arriscado dizer que esta é mais uma das inúmeras dívidas que os brancos têm com os afrodescendentes.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
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