
(Fernanda Lopes/AT)
“Você é acumuladora ou minimalista?” — a pergunta surgiu numa conversa despretensiosa, dessas que começam com o algoritmo oferecendo um vídeo sobre guarda-roupa cápsula e terminam com uma reflexão existencial sobre o apego.
Minimalista? Acho que até conseguiria. Talvez. No guarda-roupa, vai. Mas não me peça o mesmo da cozinha. A cozinha é território sagrado.
Essa semana, minha irmã Roberta passou aqui em casa para buscar umas coisas para a casa de praia nova. Estamos todos colaborando com a montagem, porque a ideia é curtir juntos. Ela saiu com quatro sacolas — daquelas grandes, que parecem desafiar a física. Formas, travessas, taças… um festival de vidros e inox. E mesmo assim, juro, não parece que mexeu uma folha nos meus armários. Continuam cheios, sorrindo com a porta entreaberta, como quem diz: “Mal começamos, minha filha.”
Tenho utensílios suficientes para montar, com folga, umas três casas bem equipadas. De verdade.
Mas vai mexer em alguma coisa? Vai doar aquela leiteira amassada que só ferve o leite certo porque foi da vó? Ou aquela sopeira de louça da década de 1950, que você nunca usa, mas veio da sogra — com receita de caldo junto? Abrir mão do pegador de macarrão antigo que sua mãe usava no domingo? Duvido.
A minha cozinha é um museu de afetos. Um relicário onde cada peça tem história: a pequena xícara que exibe um turbante e um bigode pintado que a minha Renata trouxe da Arábia Saudita; as garrafas de vinho já vazias, mas que acho bonitas e lembram bons momentos — assim como a coleção de rolhas; a coleção de canecas que trouxemos de muitos lugares; a colher de gatinho que ganhei de uma amiga querida; o pilão pesadíssimo que trouxe da Bahia porque me apaixonei numa feirinha; o prato pintado pelo meu marido quando ele tinha 7 anos, que está pendurado na parede.
Fica bem ao lado do azulejo que veio de Portugal, do prato de cerâmica do Morro do Bambu e dos quadrinhos trazidos de Paraty. Em frente à maravilhosa panela tagine marroquina, presente da minha irmã Fanie, que agora guarda remédios. Rachou da primeira vez que usamos para fazer um cordeiro com as especiarias que vieram junto.
Quem olha de fora vê uma acumuladora. Mas, com licença, sou uma acumuladora de luxo. Não de coisas caras, mas de lembranças valiosas.
Minimalismo é lindo nas fotos do Pinterest. Tudo branco, três panelas, duas xícaras, um ramo de alecrim no canto da pia. Parece imaculado.
Mas, aqui, cada cantinho guarda uma memória. E se memória pesa, que seja o peso bom da vida bem vivida — e bem temperada.
No final das contas, talvez eu até consiga um guarda-roupa cápsula. Mas uma cozinha cápsula? Nunca.
Quem vive de sabor, vive também de histórias. E minhas histórias, assim como minhas panelas, não cabem em poucas prateleiras.