
(Imagem ilustrativa/Pexels)
Em 1993, na modernização da legislação para exploração da atividade portuária, o Brasil adotou como referência o modelo do Landlord Port, utilizado nos principais portos e países desenvolvidos do mundo. Nesse modelo, a propriedade das áreas portuárias permanece na titularidade do Estado, que entrega (arrenda) a uma empresa privada para desenvolver toda a superestrutura e explorar o serviço. O condomínio portuário é gerido por uma Autoridade Portuária, que recolhe o valor do arrendamento e as tarifas pelo uso das áreas públicas (infraestruturas aquaviária e terrestre).
Considerando que havia uma premência por oferta de infraestrutura, a lei de 1993 previu que os portos indústrias (terminais de uso privativo) poderiam oferecer sua estrutura e serviços a terceiros. Esse conceito de porto-indústria é de 1966 (Decreto-lei 5), que admitiu a construção de instalação portuária para “uso próprio”. Naquele momento, o propósito era estimular a economia e aumentar a eficiência dos sistemas de transportes.
As economias que adotam o modelo do Landlord têm como premissa a autonomia das autoridades-administrações portuárias. Mesmo públicas, essas administrações portuárias gozam de autonomia para selecionar os melhores projetos para o porto e a região que lhes abriga.
Nosso modelo de exploração portuária não tinha essa condição. As autoridades possuíam autonomia para planejar o porto, mas o processo de escolha estava adstrito ao arcabouço jurídico. Os portos são monopólio da União (Artigo 21 da Constituição) e a sua outorga, no porto público, depende de licitação. Como o Landlord verde e amarelo não garantia a liberdade e agilidade de escolha necessárias para as administrações, o modelo nunca entregou tudo que se esperava. Os terminais investiram, melhoraram o serviço, mas o condomínio não cumpria a sua parte.
Na reforma de 2013 (Lei 12.815), sob as mesmas premissas econômicas de 1966 e de 1993, permitiu-se que os terminais de uso privado - fora da área do porto organizado - prestassem serviços a terceiros e concorressem com os portos públicos. O Landlord verde e amarelo passa a ser híbrido: Landlord + private port.
Com um procedimento de autorização mais célere do que as licitações, os terminais de uso privado passaram a ofertar infraestrutura ao sistema portuário e a responder por grande parte da atividade no País. No porto público, os problemas permanecem.
Em 2018, descrente da administração pública brasileira, o então Ministério da Infraestrutura aposta na privatização das autoridades portuárias, incrementando ainda mais o nosso Landlord, que passa a ser completamente flex.
E o que Projeto de Lei 733/2025, fruto do trabalho da Comissão de Juristas para Revisão Legal e Exploração de Portos e Instalações Portuárias (Ceportos), traz? Ele não altera a modelagem, mas há uma proposta de simplificar o arrendamento, os investimentos, a ampliação e prorrogação dos contratos. Uma linha clara é reduzir a interferência estatal na atividade, o que tem gerado reclamo dos usuários (carga), que estão enxergando nisso um desenlace do conceito de “serviço adequado” (e a garantia da modicidade).
O projeto traz o conceito de contratação direta (Artigo 56) que vinha sendo trabalhado na Agência Reguladora com o chamamento/interessado único. Embora seja mais uma ferramenta disponível ao administrador, tenho dúvida se ao invés de solução possa ser geradora de conflitos.
Ainda merece análise o Artigo 57, que visa dedicar parte do porto público para projetos industriais. Como dito, o conceito de porto-indústria não é novo e a natureza dessa operação deve ser direcionada para os terminais privados. Segregar uma área do porto público e direcionar a sua contratação para um projeto específico esbarra, salvo melhor juízo, nos princípios constitucionais, e inverte a lógica do porto público. Ao dar maior flexibilidade e liberdade aos investidores, o projeto visa consertar um viés publicista da reforma de 2013, que burocratizou os arrendamentos e os terminais privados.
*Advogado especializado em Direito Marítimo, Portuário e Regulatório