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Em 2025, o colégio de minha formação de Ensino Médio, à época ainda chamado de Colegial, completa 123 anos de existência. É um feito prodigioso para nossa Santos, ainda mais quando observamos que inúmeras escolas centenárias e renomadas lamentavelmente fecharam as portas nos últimos anos. O que pouco se sabe, ou se celebra, é que este colégio foi obra do entusiasmo de uma educadora visionária, que uniu esforços a outras mulheres e membros da sociedade santista para que uma instituição fosse aqui fundada para atender às crianças órfãs e desvalidas.
Eunice Peregrina de Caldas (1879-1967) apareceu pela primeira vez para mim há exatos 30 anos, enquanto estudante do Liceu Santista. Ao descer e subir rotineiramente as escadarias da antiga sede do colégio, situado à Rua Euclides da Cunha, observava seu grande retrato redondo ricamente emoldurado em madeira entalhada pendurado na parede por sobre a vitrine repleta de troféus e medalhas de mérito da então nonagenária escola. Sabia - por meio de informação dos funcionários - que aquela era a fundadora da escola de 1902. Mais tarde, Eunice se converteu em meu objeto de pesquisa acadêmica por quase 10 anos.
Pouquíssimo tempo depois de formada na aclamada Escola Normal Caetano de Campos, em São Paulo, Eunice fora nomeada, em 1900, como diretora do recém-criado Grupo Escolar Dr. Cesário Bastos. Diante da dificuldade para contratar professores, uniu forças a outra emblemática personagem da educação brasileira, Anália Franco Bastos (1853-1919), criadora da Associação Beneficente e Instrutiva de São Paulo. Decidiu fundar aqui a Associação Feminina Santista, sucursal da matriz paulistana, com duas escolas maternais para atender às crianças e um liceu feminino, para formar professoras.
Por meio de publicações nos jornais A Tribuna e Diário de Santos, procurou sensibilizar a sociedade santista para o problema do acesso à educação e arregimentar apoio para sua associação.
Conseguiu doações e contribuições mensais de grandes vultos da elite econômica e intelectual santista, sendo muitas dessas pessoas também professores do Liceu Feminino, como o pintor Benedicto Calixto. O resto é história... e felizmente longa, que resiste ao tempo.
Eunice publicou diversas obras voltadas para a literatura pedagógica, romances, peças teatrais e antologias poéticas. Era brilhante escritora e apaixonada pelos ideais da Educação. Hoje, seu nome figura na escola municipal situada à Rua São Paulo, na Vila Belmiro. Todavia, ainda penso que sua história de pioneirismo em Santos merece maior divulgação e visibilidade.
*Melissa Mendes Caputo Vicente. Professora de História, mestre em Educação e doutoranda em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getulio Vargas