Dia dos Namorados: casais com até seis décadas de união revelam segredos de uma relação saudável

A seis dias do Dia dos Namorados, a reportagem ouviu casais da Baixada Santista que dão exemplos de boa convivência

Por: Alcione Herzog  -  06/06/21  -  10:54
  João e Marilene estão juntos há 76 anos
João e Marilene estão juntos há 76 anos   Foto: Divulgação/Bárbara Farias

Certo estava Charles Darwin, quando nos idos de 1850 disse que só evoluem e sobrevivem as espécies que melhor se adaptam ao ambiente. Com os relacionamentos também é assim. Passaram-se os séculos, inventou-se o divórcio, a mulher buscou independência financeira e o segredo da longevidade no amor conjugal permanece a mesmo. Casais que sonham envelhecer juntos precisam ter a capacidade de se adaptar às mudanças que o tempo imprime na vida a dois e na sociedade.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


A seis dias do Dia dos Namorados, casais com quatro, cinco e até seis décadas de união contam o que fizeram para manter a atmosfera de romance, usando o tempo como aliado.


Com 43 anos de casamento e 50 de relacionamento, Maria Terezinha Souza Brito Molinari, de 67 anos, e Vicente Molinari Neto, 69, resumem que o principal é um cuidar do outro. Agindo assim, ambos cuidam da relação. “É preciso, claro, dar um jeito de manter o romance. Na semana passada, por exemplo, ele me pediu em casamento de novo. E não foi de brincadeira”, conta Terezinha.


A sintonia entre ambos é tão potente, que nem o fato de trabalharem juntos há 20 anos prejudica a harmonia convivência. Claro que tem briga, mas, segundo Vicente, elas são todas sem grandes consequências. “Na verdade, as pequenas discussões até ajudam, pois no final tudo acaba em beijo”.


Acaso ou destino?


Os três filhos e dois netos do casal devem agradecer ao tio de Vicente por estarem aqui hoje. Foi ele quem arrastou o jovem para um aniversário no qual nem havia sido convidado. Era verão de 1971. “Eu estava saindo para ir para outro lugar e esse meu tio insistiu muito para que eu fosse com ele nessa festa. Eu acabei indo. Foi lá que vi a Teresinha, que era a irmã da aniversariante. Sai mexido”.


Os planos de Vicente se concretizaram no dia 1º de maio daquele mesmo ano. Ele tinha 19 anos e a então pretendente, 17. “Levei tempo para tomar coragem e fazer o pedido de namoro. Antes, passei a frequentar o mesmo local que ela costumava ficar na praia. Um dia fiz a pergunta e ela aceitou toda sorridente”.


Como mandava o figurino da época, Vicente enfrentou a braveza do sogro e conseguiu a permissão para selar o compromisso. “Passamos pela fase de ir no cinema com todos os irmãos segurando vela e de ter que leva-la pra casa antes das 20h. Faria tudo de novo”, diverte-se.


Para Terezinha, envelhecer bem e juntos envolve muitos fatores. “É preciso respeito mútuo e cumplicidade. O amor pode ir mudando, mas, para nós, ele só aumentou com os anos. É totalmente possível manter a química e o entrosamento”. Pode ser perfeitamente possível encontrar o amor para vida inteira, mas as estatísticas mostram que as probabilidades têm sido menores a cada ano.


O segundo semestre de 2020 registrou o maior número de divórcios em cartórios no Brasil. Foram 43,8 mil processos contabilizados em um levantamento do Colégio Notarial do Brasil - Conselho Federal (CNB/CF). O número foi 15% maior em relação ao mesmo período de 2019.


Segundo a pesquisa Estatísticas do Registro Civil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram registrados cerca de 1,02 milhão de casamentos no Brasil em 2019, cerca de 28,8 mil a menos do que em 2018, o que representa uma queda de 2,7%. Foi a quarta vez seguida que o número de casamentos caiu.


E houve queda drástica na duração dos matrimônios. Em 2018, os cônjuges que optaram pela separação chegaram a ficar 17,5 anos juntos, em média. Em 2019, esse tempo médio caiu para 13,8 anos. Com uma pandemia em curso, quem pode dizer o que vai acontecer com esses dados? Mais do que responder a essa pergunta, os psicólogos lembram que não existe fórmula mágica para um casal viver junto e feliz até que a morte o separe.


Antes de entrar nessa jornada a dois, convém avaliar-se e tentar entender a diferença entre amor e paixão, diz a psicóloga Sandra Maria Souza e Silva.


Ela explica que o tempo do amor é indeterminado, infinito enquanto dure, porque é um sentimento mais profundo, mais estável, baseado numa relação de reciprocidade e cuidado com a pessoa amada. Quando se fala em amor, não se trata tanto de colocá-lo em uma perspectiva de tempo. É mais sobre conexão.


Já o tempo da paixão, está provado cientificamente, que dura até 18 meses. “A paixão é mais intensa e rápida, está diretamente ligada aos impulsos sexuais e ao prazer. Movida por esses impulsos, a pessoa apaixonada tende a idealizar e projetar no outro características que podem não condizer com a realidade. Portanto, você se casou por amor ou por paixão?”, ela pergunta, lembrando que apesar de ambos estarem identificados com o coração, na verdade, o cérebro é o responsável pelas reações que dão origem a esses dois sentimentos.


Depois de pensar e responder a questão, fica mais fácil traçar possibilidades para manter as coisas sempre movimentadas no lar doce lar. “Imaginemos que você é mais movido à paixão. Sendo assim, capriche ainda mais nos elementos que favoreçam o tesão, o sexo, a satisfação mútua. Abuse da criatividade e originalidade. Tente dosar ações de amor e de paixão, equilibrando-as dentro de um nível de satisfação de ambos”.


Seja qual for o perfil da união, nunca esqueça de desenvolver e praticar empatia. “Seja estável emocionalmente. Seja seguro, compreenda que o outro é um ser complexo, dinâmico e que pode mudar de humor. Cuide dele como você gostaria de ser cuidado”, arremata.


Na alegria e na tristeza


Ao olharem para trás, Álvaro Rodrigues, de 83 anos, e Natalina Jesus de Almeida Rodrigues, 79, reforçam o companheirismo e a responsabilidade como os dois principais pilares de uma união que já dura cinco décadas e meia. No último dia 4, a família comemorou 55 anos de um casamento com fortes emoções.


Eles concordam que os momentos floridos são extremamente importantes para uma história a dois, mas provam que é na adversidade que o amor mostra sua maior força.


O casal passou por várias provas de fogo. Com lágrimas, o conferente de carga e descarga lembra do ano em que o segundo filho, ainda bebê, quase morreu de sarampo. Teve ainda um grave acidente de carro em que toda a família sobreviveu. Por fim, mais recentemente, o filho mais velho também se acidentou no trânsito e ficou seis meses sem poder andar.


“Nossa vida sempre foi muito difícil, mas sempre conseguimos superar os desafios. Quando passamos por situações traumáticas como essas, damos mais valor ao que realmente importa”, resume Álvaro.


Para Natalina, casar é bom, mas não é só alegria. “Precisa saber perdoar, saber levar as coisas, ter a cabeça no lugar. Passamos por muitas coisas juntos e não me vejo mais sem ele”, diz, orgulhosa da família formada pelos dois filhos, uma filha e cinco netos.


O sorriso é inevitável quando a memória de ambos viaja até o momento em que tudo começou. Como nos filmes antigos, o cenário foi um baile. O ano era 1961. “Ele estava acompanhado, mas deixou a moça na mesa e veio pedir para dançar comigo. Eu aceitei, mesmo achando estranho”, conta Natalina, que na época trabalhava como empregada doméstica.


“A gente se entrosou bem na dança. Acertamos o ritmo”, brinca Álvaro, jurando que nunca pisou no pé da companheira.


Desde então, o par dançante se repetiu nos muitos bailes que ambos frequentaram nos anos subsequentes. O casamento, em 1966, foi na Igreja do Embaré, em Santos. “Foi tudo muito simples, pois vivíamos com dificuldades. Mesmo assim achei tudo lindo”.


Eternos namorados


Imagine um casal que convive há nada mais nada menos que 72 anos? Moradores do Lar Vicentino, em São Vicente, o maior patrimônio de Marilene Queiroz Prado, 84 anos, e João Neves Prado, 86 anos, é uma vida inteira compartilhada.


Este ano eles completam 64 anos juntos sob o mesmo teto. Ela é a durona da dupla. Ele o mais bem humorado, o que releva as broncas porque não quer ficar sem os carinhos que tanto conhece.


Apesar de se locomover com dificuldades, João não dispensa uma oportunidade de cortejar a amada e elogiar sua beleza, sempre com segundas intenções. Os adjetivos são picantes e fazem todos do lar se divertirem.


Ciumenta, Marilene faz marcação cerrada até hoje. “Ele sempre chamou muita atenção. Era alto, loiro, olhos claros. Já viu, né?”, Ex-goleiro de time de várzea, o porte atlético do rapaz chamava atenção na juventude. Mas foi a vizinha de chalé quem arrematou o coração do moço.


“Ele foi pedir para me namorar ao meu pai, que já sabia da nossa proximidade e deixou. Minha família toda sempre adorou ele. E minhas cunhadas eram minhas melhores amigas”, conta Marilene, enfatizando a importância das famílias dos cônjuges se darem bem para manterem o clima de harmonia.


Ambos conservam vívidas as memórias do início de relacionamento. Contam que se conheceram quando Marilene mudou-se com a família para a casa ao lado da residência de João, na Rua Amazonas, no bairro Campo Grande, em Santos. Ela tinha 12 anos e ele, 14. “Foi amor à primeira vista”, diz o comerciante aposentado.


Começaram a namorar, mas entre idas e vindas, o namoro só firmou quando Marilene completou 18 anos. Casaram-se quando ela tinha 21 e ele 23, em 9 de novembro de 1957.


Assanhado, bem que João tentou um algo mais após o primeiro beijo, no antigo Cine Carlos Gomes. Ambos não lembram o filme em cartaz, mas lembram que Marilene mostrou para o goleiro que sabia muito bem jogar na retranca. “Provei para ele que teria forças para resistir e me casar virgem, como minha mãe sonhava. E assim foi”, garante a ex-professora.


Brincadeiras à parte, quando pedimos para explicarem como uma união pode durar tanto, o tom jocoso de João deu lugar a uma expressão séria. “O segredo é ter amor. Nós nos amamos”.


É fato que relacionamentos longos já não emolduram os sonhos de felicidade de tanta gente como no passado. Mas, para quem ainda acredita que a realização pessoal passa por uma união estável e feliz, a psicóloga Osmarina Viel aponta alguns caminhos.


“A tarefa não é fácil, é preciso usar da inteligência e sabedoria. Na minha opinião, o casal precisa estar disposto a criar hábitos, onde a brincadeira e o jogo de sedução devem fazer parte da rotina diária”.


Quando os desafios surgirem, deve-se lidar com eles com maturidade e em tempo real. Não postergar os diálogos evita o peso no dia a dia e previne acúmulo de ressentimentos. E se as temidas DRs tiverem de acontecer, uma dica é que elas ocorram de preferência fora de casa, em um lugar neutro, para que a energia desconfortante não permaneça no ambiente.


Na lista de requisitos tem ainda a disposição para fazer com que a relação permaneça sempre na pauta do dia a dia do casal. “Mesmo com dias agitados e muitas vezes com filhos, o tempo só do casal é fundamental. Assim como é importante respeitar as características do outro. Aceitar a diferença no parceiro é ponto básico para o crescimento individual dos envolvidos”, alerta.


Leila Navarro, especialista em Medicina Comportamental, cita cinco elementos que não podem faltar no cotidiano: empatia, admiração mútua, objetivos em comum, cumplicidade e um certo clima de mistério sobre a personalidade do outro.


No entanto, algo ainda mais importante precisa estar garantido para manter no casamento um clima de eterno namoro. Segundo a palestrante e escritora, é preciso que cada indivíduo encontre uma maneira de se enamorar primeiro da vida, de seus próprios projetos, enfim, de si mesmo.


“O caminho é sempre o autoconhecimento, cada um se autodesenvolvendo para ter relações sadias. Quanto mais completos e maduros estamos, mais temos chances de construir um relacionamento apaixonante e, ao mesmo tempo, duradouro”.


Logo A Tribuna
Newsletter